quinta-feira, 4 de agosto de 2005

Sambaiatuba: duas versões

“Onde os urubus têm casas e eu não tenho asas”
Em algum lugar não muito distante daqui, pessoas convivem com a miséria e o sofrimento diariamente. Revirando, rebuscando, separando o joio do trigo. Ou melhor, o lixo do lixo. Vivendo de lixo, comendo lixo. Uma realidade que a maioria das pessoas não conhece, mas com a qual Maria convive há muitos anos.
Maria, 38 anos, tem três filhos e não tem marido. A pele muito bronzeada e castigada pelo sol. Apesar dela morar no litoral de São Paulo, não há tempo para ir à praia. Sua cor vem da exposição diária ao sol, enquanto cata lixo na montanha. Uma montanha composta por toda a sujeira da sociedade moderna, pessoas e urubus. Tudo misturado numa montanha. Como pano de fundo, a cidade e seus grandes edifícios. A cidade e seus moradores/produtores de lixo.
Incansável, Maria vive de catar lixo. É com isso que ela sustenta sua família. Seus 38 anos, mais parecem 50. Sua aparência não é das melhores. O sol castiga sua pele. O lixo castiga as mãos. A vida castiga a história. Mas ela não desiste de procurar o lixo na montanha. O lixo que pode, um dia, mudar sua vida. Uma procura sem fim por um destino melhor.
Ela não reclama. Não há tempo para reclamações. Todo tempo deve ser aproveitado para recolher a maior quantidade de lixo possível. E o tempo parece interminável naquele lugar, onde os urubus em bandos sobrevoam o espaço, numa espécie de ritual, de anúncio, de aviso. Pássaros pretos que comunicam o óbvio, que só Maria não quer enxergar.
Maria prefere acreditar que tudo vai mudar. Acreditar que naquela montanha de lixo e restos de histórias, vai encontrar uma história melhor...

Da terra à terra
Parque Ecológico Sambaiatuba colhe as primeiras mudas de mangue
No princípio era o lixo. Agora, há vida. No lugar onde durante 33 anos funcionou um lixão, hoje são cultivadas mudas de plantas e flores, para replantio na região. É a vida brotando da terra, e voltando para ela. Em São Vicente, o cenário mudou: a montanha de lixo, de aproximadamente 17 metros de altura e 47 mil metros quadrados de extensão, deu lugar ao Parque Ecológico Sambaiatuba, que comemorou três anos de existência, com a semeadura de 2 mil mudas das três espécies de mangue que ainda vicejam na Baixada Santista: Rhizophora mangle, Avicennia schaueriana e Langularea racemosa.
Com o Parque Ecológico não são apenas os jardins e mangues que lucram. Os antigos catadores do lixão também estão colhendo frutos. No caso, a dignidade. É de lá que continuam tirando seu sustento, fortalecido por um sentimento de cidadania. Agora, eles trabalham como agentes de reciclagem e também participam dos cursos de alfabetização e informática, oferecidos na escola construída no local.

Impressões
A primeira parte dessa história foi produzida quando ainda cursava o 3º ano de jornalismo, e é resultado de uma visita que fiz ao lixão de Sambaiatuba, em São Vicente, para fotografar. Sem nenhuma pretensão jornalística, o texto (que não está na íntegra) foi apenas um desabafo por causa da miséria escancarada diante de meus olhos e lentes fotográficas.
Já o segundo texto é parte de matéria minha publicada em maio deste ano na revista Beach & Co. Apenas o primeiro e o último parágrafo. Apesar de falar do mesmo local, dessa vez a história contada foi bem diferente. Construída por gente, que assim como Maria (personagem fictício do primeiro texto, mas que poderia ser qualquer uma das dezenas de pessoas que viveram naquele lugar), não desistiu de sonhar com uma vida melhor.

2 comentários:

Anônimo disse...

+ q reunir palavras e imagens, o espaço encanta pela criatividade e sensibilidade. Use, abuse, continue sempre! Bjo gde
Fabiana

Anônimo disse...

ler todo o blog, muito bom