sexta-feira, 26 de agosto de 2005

À margem


12 mil pessoas dentro de palafitas, sobre o rio. O cenário, invariavelmente pobre, é real e fica na Vila dos Pescadores, em Cubatão. Um breve passeio de barco - que revela paisagens e belezas naturais inesquecíveis, como as presenças do guará-vermelho e da garça azul - é suficiente para surpreender o olhar até dos mais distraídos. Diante de tanta desigualdade, ali se tem a noção exata do que é ser marginalizado (= estar à margem). No caso, à margem do rio e do restante da sociedade cubatense.
Por ironia do destino, Cubatão é dona do primeiro Parque Industrial do Brasil, considerado até hoje um dos mais importantes do Estado de São Paulo. Graças as suas indústrias, a cidade registrou, de acordo com o estudo Produto Interno Bruto dos municípios brasileiros 1999/2002, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o maior PIB da Região Metropolitana da Baixada Santista.
No país, Cubatão ficou com a 39ª colocação, à frente, inclusive, de Santos (que ficou com o 45º lugar), cidade mais desenvolvida da região. Mais incrível ainda é o item renda per capita (PIB dividido pelo total de habitantes), mostrado no mesmo estudo. Cubatão registrou R$ 40.337. Em suma, a Vila dos Pescadores é o oposto do que o município representa economicamente. São dois mundos dentro de uma única cidade.

quarta-feira, 17 de agosto de 2005

Palco de comemorações


Tradição é o que não falta no Gonzaga. Com 116 anos de idade (completados no dia 21 de junho), o bairro de Santos é conhecido também por ser palco de vitórias. É para lá que a população se dirige sempre que tem motivos para comemorar. Ponto de encontro: a Praça da Independência (inaugurada em 1922). Talvez inspirados pelo fato histórico que dá nome a praça, os “conquistadores” de batalhas como as últimas copas do mundo pela seleção brasileira, e as vitórias do Santos Futebol Clube, seguem quase que de forma automática para lá.
Não é necessário combinar nada. Na hora exata todos estão lá: de caras pintadas e uniformizados. Cada um dando seu grito de independência. Como que abraçados pelos grandes edifícios que circulam a praça, o calor humano nestas grandes concentrações é evidente.
Na imagem, destaque para a conquista do penta campeonato da seleção brasileira, em 2002. Assim que o jogo contra a Alemanha acabou, e que as comemorações tiveram início no campo, a primeiro flash transmitido pela TV Globo, ao vivo e direto para todo o Brasil, foi justamente da Praça da Independência.

terça-feira, 9 de agosto de 2005

"O barquinho vai, a tardinha cai”

Você já deve ter escutado esta música. E se ainda não ouviu a belíssima canção de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, basta um simples passeio pelo calçadão da orla, no bairro da Ponta da Praia, em Santos, para se ter a nítida sensação que é esta a trilha sonora do lugar. Ainda mais em um dia de sol. No detalhe da imagem, o marco em homenagem a D. Henrique, o Navegador. Tendo vivido entre 1394 e 1460, foi D. Henrique quem deu início ao ciclo dos descobrimentos portugueses, dedicando toda sua vida a navegação. Mas, naquele tempo, os barcos eram bem diferentes.

Barquinho (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli)
Dia de luz, festa de sol

e o barquinho a deslizar no macio azul do mar
tudo é verão o amor se faz
num barquinho pelo mar
que desliza sem parar
sem intenção nossa canção
vai saindo desse mar
e o sol beija o barco e luz
dias tão azuis

Volta do mar
desmaia o sol
e o barquinho a deslizar
a vontade de cantar
Céu tão azul
ilhas do sul
e o barquinho é um coração
deslizando na canção
Tudo isso é paz
tudo isso traz
uma calma de verão e então
o barquinho vai
a tardinha cai o barquinho vai

quinta-feira, 4 de agosto de 2005

Sob os olhos da Fortaleza

Vigilância constante. É assim desde o século XVI, data de construção da Fortaleza da Barra Grande, em Guarujá. De lá, Santos, do outro lado do canal, é eternamente vigiada. Mesmo sem ter esta função hoje, é assim que acontece.
Construída para defender a Vila de Santos dos ataques de corsários, durante o domínio espanhol, a Fortaleza jamais perdeu sua função original. Mesmo sem os piratas, e sem o menor perigo de guerra, conflitos ou invasões, ela permanece lá, atenta. Lançando seu olhar sobre Santos.
Do lado de cá, nosso eterno olhar para a Fortaleza. Olhar de contemplação, de admiração. Impossível passar diante dela sem perceber sua presença. Afinal, trata-se de uma construção com séculos de história.
E dessa troca de olhares, o que fica é a sensação de segurança. Guardados pela Fortaleza da Barra Grande, santistas e visitantes têm a grata sensação de que nada pode atingir a cidade enquanto formos vigiados.

Sambaiatuba: duas versões

“Onde os urubus têm casas e eu não tenho asas”
Em algum lugar não muito distante daqui, pessoas convivem com a miséria e o sofrimento diariamente. Revirando, rebuscando, separando o joio do trigo. Ou melhor, o lixo do lixo. Vivendo de lixo, comendo lixo. Uma realidade que a maioria das pessoas não conhece, mas com a qual Maria convive há muitos anos.
Maria, 38 anos, tem três filhos e não tem marido. A pele muito bronzeada e castigada pelo sol. Apesar dela morar no litoral de São Paulo, não há tempo para ir à praia. Sua cor vem da exposição diária ao sol, enquanto cata lixo na montanha. Uma montanha composta por toda a sujeira da sociedade moderna, pessoas e urubus. Tudo misturado numa montanha. Como pano de fundo, a cidade e seus grandes edifícios. A cidade e seus moradores/produtores de lixo.
Incansável, Maria vive de catar lixo. É com isso que ela sustenta sua família. Seus 38 anos, mais parecem 50. Sua aparência não é das melhores. O sol castiga sua pele. O lixo castiga as mãos. A vida castiga a história. Mas ela não desiste de procurar o lixo na montanha. O lixo que pode, um dia, mudar sua vida. Uma procura sem fim por um destino melhor.
Ela não reclama. Não há tempo para reclamações. Todo tempo deve ser aproveitado para recolher a maior quantidade de lixo possível. E o tempo parece interminável naquele lugar, onde os urubus em bandos sobrevoam o espaço, numa espécie de ritual, de anúncio, de aviso. Pássaros pretos que comunicam o óbvio, que só Maria não quer enxergar.
Maria prefere acreditar que tudo vai mudar. Acreditar que naquela montanha de lixo e restos de histórias, vai encontrar uma história melhor...

Da terra à terra
Parque Ecológico Sambaiatuba colhe as primeiras mudas de mangue
No princípio era o lixo. Agora, há vida. No lugar onde durante 33 anos funcionou um lixão, hoje são cultivadas mudas de plantas e flores, para replantio na região. É a vida brotando da terra, e voltando para ela. Em São Vicente, o cenário mudou: a montanha de lixo, de aproximadamente 17 metros de altura e 47 mil metros quadrados de extensão, deu lugar ao Parque Ecológico Sambaiatuba, que comemorou três anos de existência, com a semeadura de 2 mil mudas das três espécies de mangue que ainda vicejam na Baixada Santista: Rhizophora mangle, Avicennia schaueriana e Langularea racemosa.
Com o Parque Ecológico não são apenas os jardins e mangues que lucram. Os antigos catadores do lixão também estão colhendo frutos. No caso, a dignidade. É de lá que continuam tirando seu sustento, fortalecido por um sentimento de cidadania. Agora, eles trabalham como agentes de reciclagem e também participam dos cursos de alfabetização e informática, oferecidos na escola construída no local.

Impressões
A primeira parte dessa história foi produzida quando ainda cursava o 3º ano de jornalismo, e é resultado de uma visita que fiz ao lixão de Sambaiatuba, em São Vicente, para fotografar. Sem nenhuma pretensão jornalística, o texto (que não está na íntegra) foi apenas um desabafo por causa da miséria escancarada diante de meus olhos e lentes fotográficas.
Já o segundo texto é parte de matéria minha publicada em maio deste ano na revista Beach & Co. Apenas o primeiro e o último parágrafo. Apesar de falar do mesmo local, dessa vez a história contada foi bem diferente. Construída por gente, que assim como Maria (personagem fictício do primeiro texto, mas que poderia ser qualquer uma das dezenas de pessoas que viveram naquele lugar), não desistiu de sonhar com uma vida melhor.